Work X
For whoever wished to read this thing that I shamefully call "essay", there it is. But I warn you: too long. Way too long. And don't blame me if you hate it. I warned you before hand. xD
Lobo Mau?
Ensaio sobre a Igreja Universal do Reino de Deus
Em um domingo quente, na cidade do Rio de Janeiro, peguei um ônibus no Barra Shopping em direção à casa de um amigo, na Taquara. Pra quem nunca ouviu falar, Taquara fica em Jacarepaguá, longe da Av. das Américas e dos luxuosos condomínios da Barra, na periferia do Rio de Janeiro. Passando pela Estrada dos Bandeirantes, antes de meu destino final, cheguei a um local chamado Curicica.
Havia chovido pela manhã, e as ruas estavam encharcadas. Em um boteco na esquina, senhores bebiam cerveja e jogavam cartas. Um vira-lata brincava com um menino descalço e sem blusa. Não havia sinal de sistema de esgoto e muito menos de conforto naquela região. As casas eram extremamente simples e muitas tinham um aspecto mal cuidado, retratando a esmagadora maioria da sociedade brasileira.
Foi então desviando meu olhar que vi algo que me fez parar para pensar: um dos mais dos dois mil templos da Igreja Universal do Reino de Deus no Brasil. Estava em impecável estado. Uma casa extremamente limpa, organizada e agradável, a qual não pude atribuir melhor metáfora do que a de um oásis no deserto.
O contraste do templo com a região era enorme. Em um bairro da periferia fluminense como Curicica, aonde não havia lugar para o capricho dos ricos e nem pro olhar parcial do governo, o prédio mais convidativo e aconchegante era um templo religioso de uma das igrejas mais contraditórias dos últimos trinta anos. Foi nessa ocasião que me fiz a seguinte pergunta: Será mesmo a Igreja Universal do Reino de Deus o "Lobo Mau" da fé Cristã, como muitos pensam, ou será que ela pode vir a trazer verdadeira felicidade e paz interior à vida de seus fiéis?
Para analisar mais profundamente essa questão, terei que começar voltando quase cem anos na história para o início do movimento pentecostal no Brasil e apontar que grandes mudanças, não só no campo teológico, mas também no econômico, político e principalmente no social, essa nova tipologia do protestantismo trouxe para o país.
Mas o que é afinal o pentecostalismo? A definição é difícil justamente pelo fato de serem diversas e muito diferentes as igrejas deste movimento. Elas foram divididas pelos especialistas em três diferentes categorias, e, mesmo dentro destas, apresentam variações entre seus métodos e crenças. No geral, pode-se dizer que sua principal crença é, como todas as igrejas Cristãs, em Jesus Cristo, e o tomam como seu Senhor e Salvador. Há poucas características que podem ser aplicadas a todas elas, e é preciso analisar as três categorias para distinguir quais são algumas das crenças e idéias aplicadas por esse movimento.
A primeira igreja pentecostal surgir no Brasil é a Congregação Cristã, em São Paulo, 1910. Acredita-se até hoje que dentre todas as igrejas evangélicas (nome pelas quais as pentecostais são mais conhecidas no Brasil), a Congregação Cristã é a mais conservadora e tradicional, sofrendo poucas alterações desde a sua fundação. Junto com ela, em Belém, 1911, é fundada a Assembléia de Deus. Essa detém 20% dos evangélicos do país, e é considerada a maior igreja pentecostal do Brasil. Apesar de ser originalmente tradicional, vem mudando aos poucos para se atualizar com as mudanças âmbito religioso (e conseqüentemente social e econômico) do país.
Essas duas igrejas fazem parte da primeira categoria das igrejas pentecostais, chamada de pentecostalismo clássico, formado basicamente apenas pelas duas. São conhecidas por serem mais conservadoras (a Assembléia relutou para usar meios de comunicação em massa para pregar e a Congregação não o faz até hoje). Pregam a idéia da salvação paradisíaca através do sectarismo (rejeição dos valores do mundo exterior) e do asceticismo (viver corretamente, ou seja, sem fumar, beber, usando roupas discretas e cuidadoso com o falar).
Com o pentecostalismo clássico a igreja surge como uma instituição. Os pastores são influenciados a ter maior formação teológica, e não só o carisma. O movimento enfatiza o Falar em Línguas, que é considerado o primeiro sinal do Espírito Santo.
Por volta dos anos 50, com os missionários da Cruzada Nacional de Evangelização e com a Igreja do Evangelho Quadrangular, novas igrejas pentecostais chegam ao Brasil. As mais importantes delas foram a Evangelho Quadrangular (1953), Brasil Para Cristo (1955), Deus é Amor (1962) e Casa da Bênção (1964); sendo a maioria paulista. Por conta de algumas diferenças teológicas e nos métodos utilizados, as igrejas deste segundo grupo foram designadas como deuteropentecostais (deutero = segunda vez).
São as primeiras a usar meios de comunicação em massa para pregar e se difundir, como o rádio e pregações em praças públicas, cinemas e teatros. Também são as primeiras a terem tendas de lona. Por conta disso, tiveram grandes críticas não só da imprensa como também das igrejas Pentecostais Clássicas.
A maior diferença entre o pentecostalismo Clássico e o deuteropentacostalismo é a ênfase que dão ao dom do Espírito Santo. O primeiro, o dom da língua. O segundo, o dom da cura (acreditavam conseguir curar o fiel através do Espírito Santo e da fé). Mas como a pioneira da segunda fase do pentecostalismo é a Evangelho Quadrangular, que teve origem no mesmo corpo doutrinário que a Assembléia e a Congregação, as duas fases não têm grandes diferenças teológicas.
Nos anos 60 surge então uma divisão totalmente nova do Pentecostalismo e extremamente diferente das outras duas divisões já citadas: O Neopentecostalismo (como o próprio nome sugere, neo quer dizer novo). Esse movimento muda tanto a noção de Pentecostalismo brasileiro existente antes que muitos especialistas categorizam todas as outras igrejas Pentecostais que não fazem parte dele em um grupo só.
Mas o que o Neopentecostalismo tem de tão diferente dos outros movimentos Pentecostais?
É preciso primeiro deixar claro que assim como há diferenças entre as igrejas Pentecostais, há um número muito maior delas entre as igrejas Neopentecostais. Mesmo todas estando categorizadas no mesmo grupo, não há homogeneidade teológica entre elas. Isso ocorreu pois o Neopentecostalismo surgiu com grupos de pessoas que não concordavam com diversas doutrinas do Pentecostalismo e do deuteropentecostalismo, que formaram diversas igrejas reformadas, muitas das quais são Neopentecostais. Como as críticas eram diferentes e as idéias de mudanças eram diferentes variando de cada grupo de fiéis, as igrejas que surgiram foram conseqüentemente diferentes.
A maioria dessas surgiram no Rio de Janeiro. Apesar da grande diversidade teológica entre elas, algumas características gerais se aplicam a quase todas: O grande uso de meios de comunicação em massa para pregar a fé; o alto nível de oposição aos cultos afro-brasileiros; o líder sempre aparecendo como uma figura forte; a pouca tolerância ao ecumenismo (homogeneidade entre diferentes igrejas) e a forte utilização técnicas de marketing.
No âmbito teológico, as igrejas neopentecostais em geral dão ênfase à guerra espiritual contra o Diabo e anjos caídos, colocando assim grande importância no exorcismo de demônios do corpo de seus fiéis, e, tendo como uma das características mais marcantes, pregam a Teologia da Prosperidade.
A primeira igreja a surgir no neopentecostalismo foi a Igreja Nova Vida (1960). Algumas das principais são a Comunidade Evangélica Sara Nossa Terra (Goiás, 1976), a Igreja Internacional da Graça de Deus (1980, Rio de Janeiro), Cristo Vive (1986, Rio de Janeiro), Renascer em Cristo (São Paulo, 1986), Igreja Nacional do Senhor Jesus Cristo (São Paulo, 1994), e, sendo provavelmente a mais importante de todas as igrejas Neopentecostais, a Igreja Universal do Reino de Deus.
Muitos especialistas afirmam que o próprio movimento neopentecostal surgiu por conta da Igreja Universal, visto que ela foi, e é até hoje, a Igreja que mais quebrou os parâmetros e conceitos que se tinha do pentecostalismo até então. Foi também a igreja que mais cresceu desde sua criação, expandindo-se não só pelo Brasil, mas também pelo mundo, em muito pouco tempo. Extremamente criticada não só pela mídia mais também por outras igrejas pentecostais, a Universal, como já mencionei antes, sempre foi vista como um lobo mau da fé cristã. Mas, e aqui repito minha pergunta, será que é isso mesmo?
A Igreja Universal do Reino de Deus foi fundada em 1977, pelo Bispo Edir Macedo (que naquele tempo era pastor), que é o seu principal líder até hoje. Macedo foi um menino pobre que veio de uma família de imigrantes. Estudou matemática (UFF) e estatística (ENCE) nos anos 70. Sete anos antes havia se convertido ao pentecostalismo por conta da cura de sua irmã doente, passando a freqüentar à Igreja Nova Vida. Em 1975, saiu da Nova Vida por não concordar com o elitismo e com a falta de apoio para suas idéias. Passaram-se dois anos antes que fundasse, junto com Romildo Soares, a Igreja Universal.
No começo da Igreja, Soares era o principal pastor e pregador, e Macedo tinha um programa na Rádio Metropolitana de 15 minutos. No fim dos anos 70, decidiram resolver por um presbitério quem iria ficar à frente da Igreja. Macedo ganhou e Soares saiu da Universal para fundar a Igreja Internacional da Graça de Deus. Roberto Lopes, pastor da Universal, dirigiu em 1980 o culto de consagração de Macedo ao bispado.
Desde 1977 até os dias de hoje, a igreja cresceu ao extremo. No ano de 1980 tinha apenas 21 templos em 5 Estados. De 80 a 89, teve um crescimento de 2.600%. Hoje em dia, são mais de 2.000 templos só no Brasil, mais de um milhão de fiéis nos seus mais de 50 países atingidos. Ela ainda é dona de 40 emissoras de rádio e 16 de TV. Números de fazer inveja a qualquer empresário.
Uma nova pergunta surge: Como a Universal conseguiu um número tão grande de fiéis tão rápido? O que exatamente ela prega que atrai tantas pessoas para seus templos?
Após já ter sistematizado as características do Pentecostalismo e suas três divisões, talvez seja mais fácil explicar as diferenças tão contraditórias da Igreja Universal do Reino de Deus.
Para começar, é bom reafirmar que a Universal é a principal igreja do neopentecostalismo, representando assim muitas características marcantes do movimento, sendo, por exemplo, a maior defensora a Teologia da Prosperidade. É uma igreja totalmente empresarial. Cada templo erguido em cada cidade do mundo que a Universal está presente é uma filial. O esquema é o mesmo de grandes empresas, como o Mcdonald’s e a H. Stern. Mas, por ser uma igreja, a Universal não paga qualquer tipo de imposto para o governo, o que já deixa de ser um grande prejuízo.
Assim como uma empresa, mas também como qualquer outro culto religioso, a Universal quer convencer as pessoas de que a sua crença é a “certa” e a verdadeira. Cada religião precisa e sempre precisou conseguir fazer com que seus seguidores acreditem que o que ela diz é certo, fazendo assim com que as outras crenças automaticamente sejam erradas. É a mesma base da idéia de sobrevivência que o ser humano tem: Para sobreviver é preciso matar os outros, ser melhor do que eles. Para uma crença se expandir, ela precisa da destruição das outras. Para uma igreja se expandir, ela precisa converter fiéis de outras igrejas e mudar suas crenças.
A Universal sempre foi famosa pela grande ênfase que a igreja dá ao exorcismo e à luta contra o Diabo e os demônios andam pela Terra, que por sua vez invadem os fiéis. Por conta disso, ocorrem longas seções de exorcismo durante o culto. As doenças e modos de agir considerados errados são atribuídos à ação desses demônios. Mas a principal característica dessa igreja e provavelmente motivo de sua popularidade é, como mencionada antes, a pregação da Teologia da Prosperidade.
A Teologia da Prosperidade vai contra uma das idéias básicas que as facções cristãs sempre pregaram: O sofrimento é uma forma de purificação, e encurta o caminha da salvação eterna para o fiel. Sofrimento esse que é ligado ao sofrimento de Jesus na cruz. É como se o sofrer do fiel na terra o aproximasse de alguma forma ao sofrimento de Jesus, que morreu para remediar os pecados dos homens. Logo, sofrer como Ele faz com que você esteja mais próximo de Cristo, e conseqüentemente da salvação.
O sofrimento ocorre com a negação aos prazeres da vida na Terra. No início do cristianismo, eram condenados apenas os prazeres morais, como as tentações da carne; as paixões; os sete pecados capitais. Era necessário que o fiel mortificasse a sua alma, que ele contivesse os seus impulsos humanos para que não praticasse esses pecados. Por exemplo, se era uma pessoa violenta, se sacrificaria contendo a raiva, assim não geraria a ira.
Para os cristãos, a vida na Terra é algo ínfimo comparado à vida eterna no Paraíso. Esses sacrifícios valem pela salvação que alcançarão com eles, pois, como mencionei antes, eles encurtam esse caminho.
Por volta do século IX surge também a idéia do sacrifício material, que se junta ao sacrifício da alma. Quando um homem ia se entregar à igreja, por exemplo, ele fazia votos de pobreza, de castidade e de abstinência. O sacrifício material implicava em viver frugalmente, não tendo mais do que o necessário para a sua sobrevivência. A Igreja o defendia tanto que no séc. XIV foi criada a lei da Usura, aonde não poderia haver o lucro. Assim, agora o fiel mortificava a sua alma não só para se sacrificar pelos prazeres mortais mas também os prazeres materiais.
A Teologia da Prosperidade vem contradizer o sofrimento. Surge, assim como o movimento pentecostal, na América do Norte, e chega ao Brasil por volta da década de 70, mesma década em que a Universal é fundada. Essa teologia diz basicamente que não é a vontade de Deus que os seres humanos sofram e sim que ele criou os humanos para que eles obtenham durante a vida à prosperidade material e espiritual. Jesus não morreu para que todos continuassem a sofrer durante suas vidas e assim encurtassem sua ida ao Paraíso. Quando Jesus sofre e morre por todos, liberta os homens da escravidão do Diabo e das maldições da miséria e da enfermidade nesta vida e no além. Assim, os homens estão destinados à vitória, saúde, prosperidade, felicidade.
Mas como alcançar essas virtudes da vida mundana?
Os defensores da Teologia da Prosperidade dizem que cada um nasce com o direito à essas bênçãos, e, para obtê-las, garantir a salvação e afastar os demônios basta que o fiel tenha fé incondicional em Deus, exigir os seus direitos em voz alta e em nome de Jesus, e ser obediente e fiel a Ele no pagamento de dízimos. O cristão não pode exigir esses direitos como se estivesse pedindo ou implorando a Deus. Ele deve reivindicar os seus direitos, afinal, já nasce com as bênçãos. Elas apenas ainda não se concretizaram, pois o fiel deve assumir que possue essas bênçãos em nome de Cristo.
Essa confissão de direitos é conhecida pelo nome de "Confissão Positiva", que é a crença de que os cristãos detém o poder (por conta do sacrifício de Cristo) de trazer à existência tudo que declaram, determinam ou confessam em voz alta. Mas é preciso deixar bem claro que os efeitos desta confissão não irão ocorrer por passe de mágica. Mesmo que elas não aconteçam imediatamente no plano material, no plano espiritual Deus concede esta bênção ao fiel no momento em que ele a declara, mesmo que todas as evidências mostrem o oposto. As bênçãos podem não acontecer. Não por Deus não haver concedido-as aos cristãos, mas sim pelo cristão não ter conseguido aceitá-las.
Para aceitar uma bênção, é necessário que o fiel não tenha dúvidas de que irá recebê-la. O menor sinal de dúvida e a bênção não será concedida no plano material. Por isso, quanto mais fora da realidade for a confissão do fiel, mais difícil será para ele acreditar nela, e por isso ela não irá acontecer. Se a fé no que está sendo dito não foi forte, ela será abalada pela dúvida, e a confissão irá fracassar.
Há ainda a questão do dízimo, pela qual a Universal é muito contestada. A Teologia da Prosperidade diz que para que o fiel alcance à felicidade é necessário também que ele pague o dízimo. De acordo com R. R. Soares (um dos maiores defensores da teologia), "o pagamento do dízimo existe desde a criação do homem". Deus e os homens vivem em uma espécie de sociedade, aonde quanto mais se dá, mais se recebe. O fiel tem deveres para com Deus, e, igualmente, direitos. Ao pagar o dízimo, Deus fica na obrigação de cumprir a sua palavra.
Com a Teologia da Prosperidade toda a culpa antes existente naqueles que tinham uma vida próspera acaba, e o fiel passa a aceitar a prosperidade e a felicidade como se fossem direitos adquiridos pelo sofrimento de Cristo. A Universal então prega um discurso no qual os fiéis devem tentar alcançar essa prosperidade e reivindicar para si essas bênçãos, ou seja, pregam que o fiel deve sempre tentar ter uma vida mais próspera.
É possível perceber que a grande maioria de fiéis da Universal são aqueles das classes mais baixas e de menor renda na sociedade. Uma pesquisa feita pelo ISER em Grande Rio em meados dos anos 90 mostra que 63% dos fiéis ganhavam menos de dois salários mínimos, 50% tem menos de quatro anos de escolaridade e 85% não passavam do primário, o que demonstra uma escolaridade muito inferior a do resto da população.
As pessoas que freqüentam a Universal (e muitas das igrejas do movimento pentecostal) são muitas vezes extremamente simples, e viveram toda a vida nas camadas mais baixas da sociedade. É aí que eu volto então ao começo deste ensaio, para Curicica. A população daquela região vive um tipo de vida mais simples. São os excluídos do olhar do governo, os que levam a sociedade nas costas e não recebem nada em troca. Nem ao menos uma educação e uma formação que lhes é devida.
Ao verem um lugar como a Universal, tão limpo, arrumado e novo, é realmente como se vissem um oásis no deserto. Essas pessoas são então acolhidas pelo culto e passam a ter alguma importância para aquela comunidade. Importância essa que nunca lhes foi dada pela elite da sociedade. A Universal prega que Deus tem um plano grandioso para a vida de todos, e que elas podem através da fé fazer com que suas vidas melhorem e que recebam as bênçãos de Deus.
Dentro da comunidade do culto, a individualidade é alcançada pelas massas e a verdadeira identidade surge. O homem passa não só a ser mais um número nos milhões de cadastros na Receita Federal e passa a ser uma pessoa a mais, um indivíduo. Isso cria um sentido para o fiel, o dá mais uma razão para viver. É esse sentido de integração que faz com que ele acorde num domingo pela manhã e coloque o seu melhor terno para se mostrar apresentável para aquela comunidade para a qual ele é importante.
A idéia de integração em uma comunidade através de um culto já é antiga. No Brasil colonial, por exemplo, os escravos faziam parte de irmandades. Essas irmandades muitas vezes podiam até comprar a sua alforria e faziam do escravo (que era tratado como uma mercadoria) alguém que fizesse alguma diferença naquele lugar. Os tempos mudaram, o mundo evoluiu, mas os problemas continuaram os mesmos. E as situações também. Só que desta vez, no lugar de escravos, temos os nossos "homens libertos", que fazem todo o trabalho duro e árduo que é a espinha dorsal da sociedade capitalista.
É isso que atraí tantas pessoas às igrejas evangélicas hoje em dia, e principalmente à Universal. Com a Teologia da Prosperidade, a Universal influencia os seus fiéis à sempre buscarem a prosperidade. Por exemplo, o a igreja prega que o fiel deve tentar abrir um negócio próprio e ser o chefe e não o empregado. Prega que o fiel deve buscar a fartura para que viva cada dia melhor. E é isso que as pessoas que freqüentam o culto fazem. Elas não só conseguem uma identidade e uma participação na sociedade como também são levadas a tentar sempre ter uma vida próspera, dando o melhor de si.
Se o fiel não tiver conseguido êxito, se sua vida não tiver mudado e ele continuar na miséria mesmo depois de confessar seus direitos a Deus e ter pago o dízimo, a igreja prega que não basta esperar que a vida melhore sentado. Você deve saber aproveitar as oportunidades que lhe são dadas e trabalhar para que consiga uma vida abençoada.
O crente ainda tem a chance se ascender socialmente. Ele pode virar alguém de importância e decisão se se dedicar à igreja, seja como pastor ou obreiro. Ou até mesmo como músico. A ascensão social é algo tão superficial e praticamente insistente na sociedade que a possibilidade de subir de status já é um ótimo estímulo para a auto-estima de um cidadão de classe baixa no Brasil.
Mas até a moeda de maior valor tem dois lados. Ao mesmo tempo em que inúmeras vantagens são dadas ao fiel, muitas vantagens podem ser tiradas dele. A vida melhorou depois de entrar para a Universal. Passou a ter mais sentido, melhor integração na sociedade, melhorias no modo de pensar, e quem sabe até mesmo melhorias na vida material. Isso tudo acontece com a entrada do fiel no culto, e todas as melhorias em sua vida a partir daquele momento ele irá atribuir ao culto. Logo, a igreja passa a ter um precioso poder: a persuasão.
Tudo que o culto disser ou impor, o fiel irá fazer, e por isso ficará extremamente vulnerável. Por exemplo, se a Universal disser que o câncer pode ser curado através da fé e da expulsão dos demônios do corpo, o seguidor não irá ao hospital, ou tentará procurar um médico. Se for pregado que o homossexualismo é errado, o fiel irá ouvir e criar uma barreira social contra um homossexual. O culto tem total controle e manipulação do fiel. Qualquer palavra proferida será aceita como a verdade, sem contestações.
De um lado, a integração e possível felicidade e sentido na vida de uma pessoa simples e muitas vezes excluída. Do outro, a manipulação de suas idéias e pensamentos. Uma moeda de duas faces que deve ser jogada com todo cuidado. Após todo o estudo e pesquisa que fiz sobre o assunto, é mais fácil ver o porquê das pessoas entrarem dentro do templo da Igreja Universal do Reino de Deus em Curicica. Mais fácil também ver porque saem do culto felizes, bem vestidos, e se sentindo dignos. Mais fácil ver como a auto-estima se eleva e o orgulho com o qual é dito: "sim, eu sou evangélico".
Numa sociedade que cada dia mais se baseia no indivíduo é difícil para aquele que pertence às massas se integrar. Quando essa oportunidade vem, é difícil não agarrá-la. É difícil ver a chance de ser alguém, de fazer a diferença, de ter uma vida melhor, de ver a possibilidade de ascender socialmente e não querer isso para si. É uma forma, mesmo que não seja a mais certa de todas, de aumentar a auto-estima e melhorar o estilo de vida de quem mais precisa.
A religião sempre foi algo para ajudar o homem a entender o mundo e se reconfortar. Sempre foi uma forma de apoio para tudo aquilo que não entendemos, e que não podemos explicar. E, mesmo com toda a manipulação feita pelas igrejas, cultos, templos e etc, nunca deixou de ser um guia para aqueles que estão perdidos e precisando de uma luz, uma saída, alguém que mostre um caminho, mesmo que esse não seja o melhor nem o mais fácil.
Sim, há muita exploração dos fiéis por parte da Universal. Sim, há manipulação e forte influência dos pastores nas crenças de seus seguidores. Mas também há algo que não pode ser comprado fora destas comunidades: a chance de deixar de ser uma pessoa e passar a ser um indivíduo. Será mesmo esse o caminho certo? Creio que não. Mas também não é totalmente errado. Não foi achado ainda um caminho perfeito. Não sei nem se esse caminho existe. Há quem diga que "para ser perfeito é preciso ser imperfeito". A Universal é o Lobo Mau do Cristianismo? Definitivamente não. Mas também não é um dos três porquinhos. Apenas teve o bom senso de construir a melhor casa de tijolos.
Bibliografia:
MARIANO, Ricardo. “Neopentecostais – Sociologia do novo pentecostalismo no Brasil” Edições Loyola: São Paulo, Brasil, 1999.
LANDIM, Leilah. “Sinais dos tempos – Diversidade religiosa no Brasil” ISER, Rio de Janeiro, Brasil, 1990.
http://www.logoshp.hpg.ig.com.br/seiiurd1.htm
http://www.fflch.usp.br/sdi/imprensa/print/2002/p021_2002.html
http://www.apologeticsindex.org/i04.html
http://www.pime.org.br/pimenet/missaojovem/mjregpentecos3.htm
http://gballone.sites.uol.com.br/forense/transes.html
http://www.espacovital.com.br/asmaisnovas24032004d.htm
http://www.mre.gov.br/cdbrasil/itamaraty/web/port/comunica/tv/tvrelig/apresent.htm
http://www.consciencia.net/brasil/igreja.html
http://our.homewithgod.com/drleadnet/intellectus/sequence4/iurd.htm
http://www.cacp.org.br/crescimento_evangelico_no_Brasil.htm
http://www.ufpe.br/ascom/cconline/031/pesq001.html
http://www.cacp.org.br/cresc-ev-report1.htm
http://www1.folha.uol.com.br/folha/pensata/ult682u27.shtml
http://en.wikipedia.org/wiki/Protestants#Basic_theological_tenets
http://en.wikipedia.org/wiki/Pentecostalism#Theology
http://www.igrejauniversal.org.br/
Ensaio sobre a Igreja Universal do Reino de Deus
Em um domingo quente, na cidade do Rio de Janeiro, peguei um ônibus no Barra Shopping em direção à casa de um amigo, na Taquara. Pra quem nunca ouviu falar, Taquara fica em Jacarepaguá, longe da Av. das Américas e dos luxuosos condomínios da Barra, na periferia do Rio de Janeiro. Passando pela Estrada dos Bandeirantes, antes de meu destino final, cheguei a um local chamado Curicica.
Havia chovido pela manhã, e as ruas estavam encharcadas. Em um boteco na esquina, senhores bebiam cerveja e jogavam cartas. Um vira-lata brincava com um menino descalço e sem blusa. Não havia sinal de sistema de esgoto e muito menos de conforto naquela região. As casas eram extremamente simples e muitas tinham um aspecto mal cuidado, retratando a esmagadora maioria da sociedade brasileira.
Foi então desviando meu olhar que vi algo que me fez parar para pensar: um dos mais dos dois mil templos da Igreja Universal do Reino de Deus no Brasil. Estava em impecável estado. Uma casa extremamente limpa, organizada e agradável, a qual não pude atribuir melhor metáfora do que a de um oásis no deserto.
O contraste do templo com a região era enorme. Em um bairro da periferia fluminense como Curicica, aonde não havia lugar para o capricho dos ricos e nem pro olhar parcial do governo, o prédio mais convidativo e aconchegante era um templo religioso de uma das igrejas mais contraditórias dos últimos trinta anos. Foi nessa ocasião que me fiz a seguinte pergunta: Será mesmo a Igreja Universal do Reino de Deus o "Lobo Mau" da fé Cristã, como muitos pensam, ou será que ela pode vir a trazer verdadeira felicidade e paz interior à vida de seus fiéis?
Para analisar mais profundamente essa questão, terei que começar voltando quase cem anos na história para o início do movimento pentecostal no Brasil e apontar que grandes mudanças, não só no campo teológico, mas também no econômico, político e principalmente no social, essa nova tipologia do protestantismo trouxe para o país.
Mas o que é afinal o pentecostalismo? A definição é difícil justamente pelo fato de serem diversas e muito diferentes as igrejas deste movimento. Elas foram divididas pelos especialistas em três diferentes categorias, e, mesmo dentro destas, apresentam variações entre seus métodos e crenças. No geral, pode-se dizer que sua principal crença é, como todas as igrejas Cristãs, em Jesus Cristo, e o tomam como seu Senhor e Salvador. Há poucas características que podem ser aplicadas a todas elas, e é preciso analisar as três categorias para distinguir quais são algumas das crenças e idéias aplicadas por esse movimento.
A primeira igreja pentecostal surgir no Brasil é a Congregação Cristã, em São Paulo, 1910. Acredita-se até hoje que dentre todas as igrejas evangélicas (nome pelas quais as pentecostais são mais conhecidas no Brasil), a Congregação Cristã é a mais conservadora e tradicional, sofrendo poucas alterações desde a sua fundação. Junto com ela, em Belém, 1911, é fundada a Assembléia de Deus. Essa detém 20% dos evangélicos do país, e é considerada a maior igreja pentecostal do Brasil. Apesar de ser originalmente tradicional, vem mudando aos poucos para se atualizar com as mudanças âmbito religioso (e conseqüentemente social e econômico) do país.
Essas duas igrejas fazem parte da primeira categoria das igrejas pentecostais, chamada de pentecostalismo clássico, formado basicamente apenas pelas duas. São conhecidas por serem mais conservadoras (a Assembléia relutou para usar meios de comunicação em massa para pregar e a Congregação não o faz até hoje). Pregam a idéia da salvação paradisíaca através do sectarismo (rejeição dos valores do mundo exterior) e do asceticismo (viver corretamente, ou seja, sem fumar, beber, usando roupas discretas e cuidadoso com o falar).
Com o pentecostalismo clássico a igreja surge como uma instituição. Os pastores são influenciados a ter maior formação teológica, e não só o carisma. O movimento enfatiza o Falar em Línguas, que é considerado o primeiro sinal do Espírito Santo.
Por volta dos anos 50, com os missionários da Cruzada Nacional de Evangelização e com a Igreja do Evangelho Quadrangular, novas igrejas pentecostais chegam ao Brasil. As mais importantes delas foram a Evangelho Quadrangular (1953), Brasil Para Cristo (1955), Deus é Amor (1962) e Casa da Bênção (1964); sendo a maioria paulista. Por conta de algumas diferenças teológicas e nos métodos utilizados, as igrejas deste segundo grupo foram designadas como deuteropentecostais (deutero = segunda vez).
São as primeiras a usar meios de comunicação em massa para pregar e se difundir, como o rádio e pregações em praças públicas, cinemas e teatros. Também são as primeiras a terem tendas de lona. Por conta disso, tiveram grandes críticas não só da imprensa como também das igrejas Pentecostais Clássicas.
A maior diferença entre o pentecostalismo Clássico e o deuteropentacostalismo é a ênfase que dão ao dom do Espírito Santo. O primeiro, o dom da língua. O segundo, o dom da cura (acreditavam conseguir curar o fiel através do Espírito Santo e da fé). Mas como a pioneira da segunda fase do pentecostalismo é a Evangelho Quadrangular, que teve origem no mesmo corpo doutrinário que a Assembléia e a Congregação, as duas fases não têm grandes diferenças teológicas.
Nos anos 60 surge então uma divisão totalmente nova do Pentecostalismo e extremamente diferente das outras duas divisões já citadas: O Neopentecostalismo (como o próprio nome sugere, neo quer dizer novo). Esse movimento muda tanto a noção de Pentecostalismo brasileiro existente antes que muitos especialistas categorizam todas as outras igrejas Pentecostais que não fazem parte dele em um grupo só.
Mas o que o Neopentecostalismo tem de tão diferente dos outros movimentos Pentecostais?
É preciso primeiro deixar claro que assim como há diferenças entre as igrejas Pentecostais, há um número muito maior delas entre as igrejas Neopentecostais. Mesmo todas estando categorizadas no mesmo grupo, não há homogeneidade teológica entre elas. Isso ocorreu pois o Neopentecostalismo surgiu com grupos de pessoas que não concordavam com diversas doutrinas do Pentecostalismo e do deuteropentecostalismo, que formaram diversas igrejas reformadas, muitas das quais são Neopentecostais. Como as críticas eram diferentes e as idéias de mudanças eram diferentes variando de cada grupo de fiéis, as igrejas que surgiram foram conseqüentemente diferentes.
A maioria dessas surgiram no Rio de Janeiro. Apesar da grande diversidade teológica entre elas, algumas características gerais se aplicam a quase todas: O grande uso de meios de comunicação em massa para pregar a fé; o alto nível de oposição aos cultos afro-brasileiros; o líder sempre aparecendo como uma figura forte; a pouca tolerância ao ecumenismo (homogeneidade entre diferentes igrejas) e a forte utilização técnicas de marketing.
No âmbito teológico, as igrejas neopentecostais em geral dão ênfase à guerra espiritual contra o Diabo e anjos caídos, colocando assim grande importância no exorcismo de demônios do corpo de seus fiéis, e, tendo como uma das características mais marcantes, pregam a Teologia da Prosperidade.
A primeira igreja a surgir no neopentecostalismo foi a Igreja Nova Vida (1960). Algumas das principais são a Comunidade Evangélica Sara Nossa Terra (Goiás, 1976), a Igreja Internacional da Graça de Deus (1980, Rio de Janeiro), Cristo Vive (1986, Rio de Janeiro), Renascer em Cristo (São Paulo, 1986), Igreja Nacional do Senhor Jesus Cristo (São Paulo, 1994), e, sendo provavelmente a mais importante de todas as igrejas Neopentecostais, a Igreja Universal do Reino de Deus.
Muitos especialistas afirmam que o próprio movimento neopentecostal surgiu por conta da Igreja Universal, visto que ela foi, e é até hoje, a Igreja que mais quebrou os parâmetros e conceitos que se tinha do pentecostalismo até então. Foi também a igreja que mais cresceu desde sua criação, expandindo-se não só pelo Brasil, mas também pelo mundo, em muito pouco tempo. Extremamente criticada não só pela mídia mais também por outras igrejas pentecostais, a Universal, como já mencionei antes, sempre foi vista como um lobo mau da fé cristã. Mas, e aqui repito minha pergunta, será que é isso mesmo?
A Igreja Universal do Reino de Deus foi fundada em 1977, pelo Bispo Edir Macedo (que naquele tempo era pastor), que é o seu principal líder até hoje. Macedo foi um menino pobre que veio de uma família de imigrantes. Estudou matemática (UFF) e estatística (ENCE) nos anos 70. Sete anos antes havia se convertido ao pentecostalismo por conta da cura de sua irmã doente, passando a freqüentar à Igreja Nova Vida. Em 1975, saiu da Nova Vida por não concordar com o elitismo e com a falta de apoio para suas idéias. Passaram-se dois anos antes que fundasse, junto com Romildo Soares, a Igreja Universal.
No começo da Igreja, Soares era o principal pastor e pregador, e Macedo tinha um programa na Rádio Metropolitana de 15 minutos. No fim dos anos 70, decidiram resolver por um presbitério quem iria ficar à frente da Igreja. Macedo ganhou e Soares saiu da Universal para fundar a Igreja Internacional da Graça de Deus. Roberto Lopes, pastor da Universal, dirigiu em 1980 o culto de consagração de Macedo ao bispado.
Desde 1977 até os dias de hoje, a igreja cresceu ao extremo. No ano de 1980 tinha apenas 21 templos em 5 Estados. De 80 a 89, teve um crescimento de 2.600%. Hoje em dia, são mais de 2.000 templos só no Brasil, mais de um milhão de fiéis nos seus mais de 50 países atingidos. Ela ainda é dona de 40 emissoras de rádio e 16 de TV. Números de fazer inveja a qualquer empresário.
Uma nova pergunta surge: Como a Universal conseguiu um número tão grande de fiéis tão rápido? O que exatamente ela prega que atrai tantas pessoas para seus templos?
Após já ter sistematizado as características do Pentecostalismo e suas três divisões, talvez seja mais fácil explicar as diferenças tão contraditórias da Igreja Universal do Reino de Deus.
Para começar, é bom reafirmar que a Universal é a principal igreja do neopentecostalismo, representando assim muitas características marcantes do movimento, sendo, por exemplo, a maior defensora a Teologia da Prosperidade. É uma igreja totalmente empresarial. Cada templo erguido em cada cidade do mundo que a Universal está presente é uma filial. O esquema é o mesmo de grandes empresas, como o Mcdonald’s e a H. Stern. Mas, por ser uma igreja, a Universal não paga qualquer tipo de imposto para o governo, o que já deixa de ser um grande prejuízo.
Assim como uma empresa, mas também como qualquer outro culto religioso, a Universal quer convencer as pessoas de que a sua crença é a “certa” e a verdadeira. Cada religião precisa e sempre precisou conseguir fazer com que seus seguidores acreditem que o que ela diz é certo, fazendo assim com que as outras crenças automaticamente sejam erradas. É a mesma base da idéia de sobrevivência que o ser humano tem: Para sobreviver é preciso matar os outros, ser melhor do que eles. Para uma crença se expandir, ela precisa da destruição das outras. Para uma igreja se expandir, ela precisa converter fiéis de outras igrejas e mudar suas crenças.
A Universal sempre foi famosa pela grande ênfase que a igreja dá ao exorcismo e à luta contra o Diabo e os demônios andam pela Terra, que por sua vez invadem os fiéis. Por conta disso, ocorrem longas seções de exorcismo durante o culto. As doenças e modos de agir considerados errados são atribuídos à ação desses demônios. Mas a principal característica dessa igreja e provavelmente motivo de sua popularidade é, como mencionada antes, a pregação da Teologia da Prosperidade.
A Teologia da Prosperidade vai contra uma das idéias básicas que as facções cristãs sempre pregaram: O sofrimento é uma forma de purificação, e encurta o caminha da salvação eterna para o fiel. Sofrimento esse que é ligado ao sofrimento de Jesus na cruz. É como se o sofrer do fiel na terra o aproximasse de alguma forma ao sofrimento de Jesus, que morreu para remediar os pecados dos homens. Logo, sofrer como Ele faz com que você esteja mais próximo de Cristo, e conseqüentemente da salvação.
O sofrimento ocorre com a negação aos prazeres da vida na Terra. No início do cristianismo, eram condenados apenas os prazeres morais, como as tentações da carne; as paixões; os sete pecados capitais. Era necessário que o fiel mortificasse a sua alma, que ele contivesse os seus impulsos humanos para que não praticasse esses pecados. Por exemplo, se era uma pessoa violenta, se sacrificaria contendo a raiva, assim não geraria a ira.
Para os cristãos, a vida na Terra é algo ínfimo comparado à vida eterna no Paraíso. Esses sacrifícios valem pela salvação que alcançarão com eles, pois, como mencionei antes, eles encurtam esse caminho.
Por volta do século IX surge também a idéia do sacrifício material, que se junta ao sacrifício da alma. Quando um homem ia se entregar à igreja, por exemplo, ele fazia votos de pobreza, de castidade e de abstinência. O sacrifício material implicava em viver frugalmente, não tendo mais do que o necessário para a sua sobrevivência. A Igreja o defendia tanto que no séc. XIV foi criada a lei da Usura, aonde não poderia haver o lucro. Assim, agora o fiel mortificava a sua alma não só para se sacrificar pelos prazeres mortais mas também os prazeres materiais.
A Teologia da Prosperidade vem contradizer o sofrimento. Surge, assim como o movimento pentecostal, na América do Norte, e chega ao Brasil por volta da década de 70, mesma década em que a Universal é fundada. Essa teologia diz basicamente que não é a vontade de Deus que os seres humanos sofram e sim que ele criou os humanos para que eles obtenham durante a vida à prosperidade material e espiritual. Jesus não morreu para que todos continuassem a sofrer durante suas vidas e assim encurtassem sua ida ao Paraíso. Quando Jesus sofre e morre por todos, liberta os homens da escravidão do Diabo e das maldições da miséria e da enfermidade nesta vida e no além. Assim, os homens estão destinados à vitória, saúde, prosperidade, felicidade.
Mas como alcançar essas virtudes da vida mundana?
Os defensores da Teologia da Prosperidade dizem que cada um nasce com o direito à essas bênçãos, e, para obtê-las, garantir a salvação e afastar os demônios basta que o fiel tenha fé incondicional em Deus, exigir os seus direitos em voz alta e em nome de Jesus, e ser obediente e fiel a Ele no pagamento de dízimos. O cristão não pode exigir esses direitos como se estivesse pedindo ou implorando a Deus. Ele deve reivindicar os seus direitos, afinal, já nasce com as bênçãos. Elas apenas ainda não se concretizaram, pois o fiel deve assumir que possue essas bênçãos em nome de Cristo.
Essa confissão de direitos é conhecida pelo nome de "Confissão Positiva", que é a crença de que os cristãos detém o poder (por conta do sacrifício de Cristo) de trazer à existência tudo que declaram, determinam ou confessam em voz alta. Mas é preciso deixar bem claro que os efeitos desta confissão não irão ocorrer por passe de mágica. Mesmo que elas não aconteçam imediatamente no plano material, no plano espiritual Deus concede esta bênção ao fiel no momento em que ele a declara, mesmo que todas as evidências mostrem o oposto. As bênçãos podem não acontecer. Não por Deus não haver concedido-as aos cristãos, mas sim pelo cristão não ter conseguido aceitá-las.
Para aceitar uma bênção, é necessário que o fiel não tenha dúvidas de que irá recebê-la. O menor sinal de dúvida e a bênção não será concedida no plano material. Por isso, quanto mais fora da realidade for a confissão do fiel, mais difícil será para ele acreditar nela, e por isso ela não irá acontecer. Se a fé no que está sendo dito não foi forte, ela será abalada pela dúvida, e a confissão irá fracassar.
Há ainda a questão do dízimo, pela qual a Universal é muito contestada. A Teologia da Prosperidade diz que para que o fiel alcance à felicidade é necessário também que ele pague o dízimo. De acordo com R. R. Soares (um dos maiores defensores da teologia), "o pagamento do dízimo existe desde a criação do homem". Deus e os homens vivem em uma espécie de sociedade, aonde quanto mais se dá, mais se recebe. O fiel tem deveres para com Deus, e, igualmente, direitos. Ao pagar o dízimo, Deus fica na obrigação de cumprir a sua palavra.
Com a Teologia da Prosperidade toda a culpa antes existente naqueles que tinham uma vida próspera acaba, e o fiel passa a aceitar a prosperidade e a felicidade como se fossem direitos adquiridos pelo sofrimento de Cristo. A Universal então prega um discurso no qual os fiéis devem tentar alcançar essa prosperidade e reivindicar para si essas bênçãos, ou seja, pregam que o fiel deve sempre tentar ter uma vida mais próspera.
É possível perceber que a grande maioria de fiéis da Universal são aqueles das classes mais baixas e de menor renda na sociedade. Uma pesquisa feita pelo ISER em Grande Rio em meados dos anos 90 mostra que 63% dos fiéis ganhavam menos de dois salários mínimos, 50% tem menos de quatro anos de escolaridade e 85% não passavam do primário, o que demonstra uma escolaridade muito inferior a do resto da população.
As pessoas que freqüentam a Universal (e muitas das igrejas do movimento pentecostal) são muitas vezes extremamente simples, e viveram toda a vida nas camadas mais baixas da sociedade. É aí que eu volto então ao começo deste ensaio, para Curicica. A população daquela região vive um tipo de vida mais simples. São os excluídos do olhar do governo, os que levam a sociedade nas costas e não recebem nada em troca. Nem ao menos uma educação e uma formação que lhes é devida.
Ao verem um lugar como a Universal, tão limpo, arrumado e novo, é realmente como se vissem um oásis no deserto. Essas pessoas são então acolhidas pelo culto e passam a ter alguma importância para aquela comunidade. Importância essa que nunca lhes foi dada pela elite da sociedade. A Universal prega que Deus tem um plano grandioso para a vida de todos, e que elas podem através da fé fazer com que suas vidas melhorem e que recebam as bênçãos de Deus.
Dentro da comunidade do culto, a individualidade é alcançada pelas massas e a verdadeira identidade surge. O homem passa não só a ser mais um número nos milhões de cadastros na Receita Federal e passa a ser uma pessoa a mais, um indivíduo. Isso cria um sentido para o fiel, o dá mais uma razão para viver. É esse sentido de integração que faz com que ele acorde num domingo pela manhã e coloque o seu melhor terno para se mostrar apresentável para aquela comunidade para a qual ele é importante.
A idéia de integração em uma comunidade através de um culto já é antiga. No Brasil colonial, por exemplo, os escravos faziam parte de irmandades. Essas irmandades muitas vezes podiam até comprar a sua alforria e faziam do escravo (que era tratado como uma mercadoria) alguém que fizesse alguma diferença naquele lugar. Os tempos mudaram, o mundo evoluiu, mas os problemas continuaram os mesmos. E as situações também. Só que desta vez, no lugar de escravos, temos os nossos "homens libertos", que fazem todo o trabalho duro e árduo que é a espinha dorsal da sociedade capitalista.
É isso que atraí tantas pessoas às igrejas evangélicas hoje em dia, e principalmente à Universal. Com a Teologia da Prosperidade, a Universal influencia os seus fiéis à sempre buscarem a prosperidade. Por exemplo, o a igreja prega que o fiel deve tentar abrir um negócio próprio e ser o chefe e não o empregado. Prega que o fiel deve buscar a fartura para que viva cada dia melhor. E é isso que as pessoas que freqüentam o culto fazem. Elas não só conseguem uma identidade e uma participação na sociedade como também são levadas a tentar sempre ter uma vida próspera, dando o melhor de si.
Se o fiel não tiver conseguido êxito, se sua vida não tiver mudado e ele continuar na miséria mesmo depois de confessar seus direitos a Deus e ter pago o dízimo, a igreja prega que não basta esperar que a vida melhore sentado. Você deve saber aproveitar as oportunidades que lhe são dadas e trabalhar para que consiga uma vida abençoada.
O crente ainda tem a chance se ascender socialmente. Ele pode virar alguém de importância e decisão se se dedicar à igreja, seja como pastor ou obreiro. Ou até mesmo como músico. A ascensão social é algo tão superficial e praticamente insistente na sociedade que a possibilidade de subir de status já é um ótimo estímulo para a auto-estima de um cidadão de classe baixa no Brasil.
Mas até a moeda de maior valor tem dois lados. Ao mesmo tempo em que inúmeras vantagens são dadas ao fiel, muitas vantagens podem ser tiradas dele. A vida melhorou depois de entrar para a Universal. Passou a ter mais sentido, melhor integração na sociedade, melhorias no modo de pensar, e quem sabe até mesmo melhorias na vida material. Isso tudo acontece com a entrada do fiel no culto, e todas as melhorias em sua vida a partir daquele momento ele irá atribuir ao culto. Logo, a igreja passa a ter um precioso poder: a persuasão.
Tudo que o culto disser ou impor, o fiel irá fazer, e por isso ficará extremamente vulnerável. Por exemplo, se a Universal disser que o câncer pode ser curado através da fé e da expulsão dos demônios do corpo, o seguidor não irá ao hospital, ou tentará procurar um médico. Se for pregado que o homossexualismo é errado, o fiel irá ouvir e criar uma barreira social contra um homossexual. O culto tem total controle e manipulação do fiel. Qualquer palavra proferida será aceita como a verdade, sem contestações.
De um lado, a integração e possível felicidade e sentido na vida de uma pessoa simples e muitas vezes excluída. Do outro, a manipulação de suas idéias e pensamentos. Uma moeda de duas faces que deve ser jogada com todo cuidado. Após todo o estudo e pesquisa que fiz sobre o assunto, é mais fácil ver o porquê das pessoas entrarem dentro do templo da Igreja Universal do Reino de Deus em Curicica. Mais fácil também ver porque saem do culto felizes, bem vestidos, e se sentindo dignos. Mais fácil ver como a auto-estima se eleva e o orgulho com o qual é dito: "sim, eu sou evangélico".
Numa sociedade que cada dia mais se baseia no indivíduo é difícil para aquele que pertence às massas se integrar. Quando essa oportunidade vem, é difícil não agarrá-la. É difícil ver a chance de ser alguém, de fazer a diferença, de ter uma vida melhor, de ver a possibilidade de ascender socialmente e não querer isso para si. É uma forma, mesmo que não seja a mais certa de todas, de aumentar a auto-estima e melhorar o estilo de vida de quem mais precisa.
A religião sempre foi algo para ajudar o homem a entender o mundo e se reconfortar. Sempre foi uma forma de apoio para tudo aquilo que não entendemos, e que não podemos explicar. E, mesmo com toda a manipulação feita pelas igrejas, cultos, templos e etc, nunca deixou de ser um guia para aqueles que estão perdidos e precisando de uma luz, uma saída, alguém que mostre um caminho, mesmo que esse não seja o melhor nem o mais fácil.
Sim, há muita exploração dos fiéis por parte da Universal. Sim, há manipulação e forte influência dos pastores nas crenças de seus seguidores. Mas também há algo que não pode ser comprado fora destas comunidades: a chance de deixar de ser uma pessoa e passar a ser um indivíduo. Será mesmo esse o caminho certo? Creio que não. Mas também não é totalmente errado. Não foi achado ainda um caminho perfeito. Não sei nem se esse caminho existe. Há quem diga que "para ser perfeito é preciso ser imperfeito". A Universal é o Lobo Mau do Cristianismo? Definitivamente não. Mas também não é um dos três porquinhos. Apenas teve o bom senso de construir a melhor casa de tijolos.
Bibliografia:
MARIANO, Ricardo. “Neopentecostais – Sociologia do novo pentecostalismo no Brasil” Edições Loyola: São Paulo, Brasil, 1999.
LANDIM, Leilah. “Sinais dos tempos – Diversidade religiosa no Brasil” ISER, Rio de Janeiro, Brasil, 1990.
http://www.logoshp.hpg.ig.com.br/seiiurd1.htm
http://www.fflch.usp.br/sdi/imprensa/print/2002/p021_2002.html
http://www.apologeticsindex.org/i04.html
http://www.pime.org.br/pimenet/missaojovem/mjregpentecos3.htm
http://gballone.sites.uol.com.br/forense/transes.html
http://www.espacovital.com.br/asmaisnovas24032004d.htm
http://www.mre.gov.br/cdbrasil/itamaraty/web/port/comunica/tv/tvrelig/apresent.htm
http://www.consciencia.net/brasil/igreja.html
http://our.homewithgod.com/drleadnet/intellectus/sequence4/iurd.htm
http://www.cacp.org.br/crescimento_evangelico_no_Brasil.htm
http://www.ufpe.br/ascom/cconline/031/pesq001.html
http://www.cacp.org.br/cresc-ev-report1.htm
http://www1.folha.uol.com.br/folha/pensata/ult682u27.shtml
http://en.wikipedia.org/wiki/Protestants#Basic_theological_tenets
http://en.wikipedia.org/wiki/Pentecostalism#Theology
http://www.igrejauniversal.org.br/
no subject
SUA PUTA, VOCÊ ESCREVE EM INGLÊS?
preconceito comigo que sou muito quadrada. Já até saquei :*
te add, coisa.
e eu tenho fotolog tbm, tá? www.fotolog.net/betterpill_
no subject
Escrevo sim! Perdão, Káááá *sai correndo*!
Eu vou entrar no teu flog. ^^
no subject
E eu acho que os pagãos estão te perseguindo! :P
no subject
Estão mesmo.
Seus macumbeiros. xD
no subject
(Anonymous) 2005-05-14 01:38 pm (UTC)(link)Sensacional o ensaio. Me trouxe novas informações e reflexões. Consegui até dar uma segunda chance ao Bispo Macedo, que "conheci" pela primeira vez quando você foi fabricada, em Nova York, 1987. Naquela ocasião, peguei sem querer ele pregando num canal a cabo de New Jersey em PORTUGUES!!! Quase cai da cama, acordei sua mãe. E fiz a profecia: esse cara ainda vai dar muito barulho.
Apesar de todas suas excelentes ponderações sobre a recuperação da dignidade e auto-estima proporcionada pelas igrejas evangélicas, virtude inegavel nesse nosso pais miseravel e injusto, os métodos deles, em sua maioria, são totalmente, condenáveis. Alguns criminosos e violadores da dignidade, como é o caso do nosso querido B. Macedo, que sem a menor cerimonia promove curas de AIDS ao vivo na TV. Sem falar da montanha de dinheiro que arranca desse povo miseravel.
Well, me entusiamei, desculpe o logo comment. Foi culpa do seu texto preciso, rico em informação, delicado e delecioso de se ler. Parabéns!
Papi- Marcelo Tas
no subject
(Anonymous) 2005-05-17 12:47 am (UTC)(link)Adorei o seu ensaio. Outro dia estava conversando com a Regina aqui de casa e demorei muito pra entender porque ela fazia tantas coisas para a igreja. Acho que você matou a charada. Que outro jeito ela daria para aumentar a sua auto-estima. Concordo com o seu pai quando ele diz que os métodos são medonhos. Considero que fizeram uma lavagem cerebral na Regina mas ela diz estar feliz. De tudo que ela contou, o que mais me impressionou foi a maneira como a igreja dela utiliza o dinheiro dos fiéis. Tem-se a impressão que nem roubar, roubam. Todos são ajudados quando estão sem emprego,quando precisam de remédio, quando estão construindo uma casa... Acho que você deveria conversae com ela.
Sou uma mãe muito orgulhosa da filha que tenho. Te amo. Mamãe.